UMA COISINHA OU OUTRA SOBRE PLOTINO
Nasceu no Egito, em Licopoli e foi discípulo de Sacca. Participou de uma investida contra os persas e talvez tenha tomado contato com a filosofia persa e indiana, se é que estas são consideradas como tal. Sua aversão pela matéria ia ao absurdo de não se permitir comentar sua própria vida terrena.Parecia envergonhar-se de ter um corpo, dificilmente falava de seus pais ou de sua pátria e jamais admitiu posar para um pintor ou um escultor.Apesar disto, no museu do Vaticano, conserva-se um busto, presumivelmente, dele.As Enéadas foram sua grande obra e ele asescreveu em grego, mesmo já morando em Roma. Aliás, como o Mestre era um tanto desordenado, à medida que escrevia, passava os textos ao seu discípulo, Porfírio, que os organizou em 6 livros, com 9 tratados cada um. Daí o nome "Enéadas".Para demonstrar suas teses ele usa muito o recurso do diálogo entre seus ouvintes e amigos.Percebe-se a exaltação final da inteligência ou do mundo inteligível ao qual se podem elevar as mentes capacitadas.Seu estilo parece, às vezes, obscuro, outras, brilhante e dotado de imagens bem interessantes. Parábolas ou comparações engenhosas sugerem uma compreensão quase clarividente de ideais elevados. Na altura, as pessoas ansiavam por determinados ensinamentos e Plotino lhes dava o que pareciam precisar.Dê uma olhadinha na relação dos tratados (bastam os títulos) das Enéadas, segundo Porfírio, e você entenderá melhor o que tento explicar:I - Enéada: 1) Que é o animal? 2) A virtude? 3) A dialética? 4) Da felicidade: 5) Se a felicidade se acresce com o tempo. 6) Do belo. 7) Do primeiro bem e dos outros bens. 8) Que é o mal e donde ele vem. 9) Do suicídio razoável. II - Enéada: 1) Do mundo ou do céu. 2) Do movimento do céu ou movimento circular. 3) Da influência dos astros. 4) Das duas matérias. 5) Que quer dizer em potência e em ato. 6) Da qualidade e da forma. 7) Da mística total. 8) Porque os objetos vistos de longe parecem pequenos. 9) Contra os que dizem que o Demiurgo do mundo é maldoso e que o mundo é mau.III - Enéada: 1) Do destino. 2) Da providência I. 3) Da providência II. 4) Do demônio que nos recebeu em partilha. 5) do amor. 6) Da impossibilidade das coisas incorporais. 7) Da eternidade e do tempo. 8) Da natureza, da contemplação e do Uno. 9) Considerações diversas. IV - Enéada: 1) Da essência da alma I. 2) Da essência da alma II. 3) Dificuldades relativas à alma. 4) Dificuldades relativas à alma II. 5) Dificuldades relativas à alma III. 6) Da sensação e da memória. 7) Da imortalidade da alma. 8) Da descida da alma para dentro do corpo. 9) Reúnem-se todas as almas numa alma única? V - Enéada: 1) Sobre as três hipóteses que são princípios. 2) Da geração e da ordem das coisas que vêm após a primeira. 3) Das hipóteses que conhecem. 4) Sobre o Uno. 5) Do Bem. 6) Do ser que não pensa, do primeiro e segundo que pensam. 7) Há idéias de coisas particulares. 8) Da beleza inteligível. 9) Sobre a inteligência, as idéias e o ser. VI - Enéada: 1) Dos gêneros do ser, I. 2) Dos gêneros do ser, II. 3) Dos gêneros do ser, III. 4) Do Uno e idêntico, que está em toda a parte, I. 5) Ibidem II. 6) Dos números. 7) Como nasceu a multiplicidade das idéias: do Bem. 8) Da liberdade e da vontade do Uno. 9) Do bem e do Uno. O pensamento de Plotino, embora muito menos elaborado e mais fantasioso, lembra um pouco o de Platão, pois mantém a distinção específica entre os sentidos e a inteligência.Contudo, no que se refere à questão dos inteligíveis num outro mundo, Platão e Plotino divergem. Enquanto Platão separa o Demiurgo e as idéias reais arquetípicas, Plotino situa as idéias dentro do Uno. Este assunto irá interferir diretamente na posterior determinação da natureza metafísica de Deus.Em Plotino se encontra também o princípio platônico dos graus de perfeição, que supõem sempre a existência de um grau máximo. Teoricamente, conhecidos os graus da Natureza, eles acabarão nos levando a este grau último, o Uno, ou Deus. Aliás, o deus de Plotino está tão para além de tudo que ele o chamou “Uno”. Mas a conseqüência deste raciocínio leva à conclusão de que a inteligência humana acaba ficando na dependência direta desta inteligência perfeita. Neste caso, nossa própria inteligência seria um mero reflexo da “outra”, a perfeita... Deste modo, como os sentidos são incompetentes, pois só conhecem as coisas exteriormente, ficariam impossibilitados de receber os inteligíveis por impressão externa.Agostinho aproveitou de Plotino esta imagem da inteligência como reflexo da luz divina e falará até mesmo de uma “iluminação divino-natural” para explicar a existência dos conceitos universais.E assim Plotino passa a realmente a divergir de Platão, pois para este, as idéias universais são, elas mesmas, reais. Plotino, contudo, as imagina como situadas em Deus. “O Uno está acima da Inteligência e este Uno é de natureza totalmente transcendente, com as propriedades de divindade. Uno é imóvel e o espírito (nous) flui dele. Da Inteligência, flui a Alma do mundo”.( A alma do mundo é um princípio semelhante ao fogo racional dos estóicos, que conteria as almas individuais.) Por fim, da alma fluiria a matéria. Como se pode observar, as maiores preocupações de Plotino fixavam-se em torno das causas do ser. Ele nunca chegou a imaginar que, talvez, a tal "causa primeva não causada” pudesse ser livre em sua ação criadora. Para ele toda a causa perfeita, necessariamente, cria. Assim, as emanações do Uno são automáticas e já ocorreriam desde a eternidade. E esta seria a razão pela qual as tais emanações “automáticas”, são também necessariamente eternas. E por conta disso, o mundo, embora “criado”, também é eterno.A vulnerabilidade do sistema metafísico de Plotino se manifesta particularmente nesta concepção do Uno. Ele não concebe uma “verdadeira divindade (se é que tal seria possível), ou seja, um ser capaz de reunir em si mesmo todas as possibilidades causais, sendo, ele mesmo, “não causado”.Em Aristóteles, por exemplo, a especulação metafísica da realidade fundamental, a noção do Uno, aparece de maneira completamente diferente destes grupos, Sejam eles pitagóricos, platônicos, estóicos ou saídos da cabecinha do Plotino.Para ele, bem como para os peripatéticos que o sucederam, toda a realidade, de qualquer modo, sempre é ser. A unidade entra aí apenas como uma de suas propriedades transcendentais, isto é, sempre acompanha qualquer das categorias do ser. Por isso, o Uno e o Ser são mais ou menos intercambiáveis: tudo que é Ser é Uno; tudo o que é Uno, é Ser.Todavia, o "Uno" de Plotino guardaria ainda algumas características especiais: "Ele é a realidade primeira, mas não é inteligência por ser anterior à inteligência, já que a inteligência se conta entre as coisas existentes”. Donde, se ele não é algo de existente, pois é anterior a tudo, tampouco poderia ser um “ ser”, pois o ser tem como forma, a forma do ser e Deus é desprovido de qualquer formalidade. Como principalmente a essência da unidade é a produtora de todas as coisas, Deus não poderia ser nada disso.Ai, Ai.... Acho que é por conta disso que os catecismos teósofos se referem a Deus como “Aquilo”... Bom.. Um belo amontoado de palavras, mas sou forçada a admitir que tudo muito bem amarradinho...A transcendência de Deus é uma doutrina que se enquadra especialmente bem no aristotelismo. Tomás de Aquino levará isso ao pé da letra e demonstrará como Deus é a sua essência e a sua existência, portanto, totalmente simples, fundamentalmente distinto dos seres contingentes, porque estes são compostos de ato e potência. Deus transcende ao mundo, porque dele se distingue e o supera por efeito de sua mesma noção de ente simples em toda a sua totalidade. Aristóteles, porém, embora chegasse à noção de um Deus simples, não insistiu na explicitação da propriedade dali resultante, que é a de sua transcendência, pela qual ele o colocava num plano fundamentalmente diverso, parecido com o de Aquino apenas por analogia.Plotino explicitará amplamente a doutrina da transcendência, até porque estava estimulado pelo neopitagorismo generalizado, insistindo no lado religioso e místico da realidade total. Outra diferença vista em Plotino é a introdução das idéias singulares.Para Platão e Aristóteles idéia é sempre universal, apenas o conhecimento sensível seria singular. Porém, Plotino, alegou que negar a ocorrência de idéias singulares é excluir a si mesmo do mundo inteligível. Como se vê, ele não atribuiu déias arquetípicas a Deus, "Deus mesmo", mas a um ser intermediário. Neste particular discordarão dele, Agostinho de Hipona e Scoto Erigena.Todavia, com Aristóteles e quejandos (ou apesar deles) Plotino fez um sucesso impressionante entre seus contemporâneos, compatriotas ou não. Sua obra foi traduzida para o latim, ainda na Antiguidade romana, por Marius Victorinus e lhe garantiu ampla influência. Provavelmente, teria sido esta tradução que Agostinho de Hipona leu, já na fase final sua conversão.Sem querer ser implicante, penso que ele foi uma espécie de "Paulo Coelho" da Antigüidade, muito embora, eu reconheça que fosse capaz de pensar.. Todavia, ainda teve a vantagem extra de um glorioso "revival", quase 1300 anos depois, por volta do século XV, quando foi "recuperado" e retraduzido para o latim por Marcílio Ficino que, só por isso, bem merecia estar, até hoje, queimando no Mármore do Inferno....
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